O fim do Home Office: Mito ou Realidade?
- Mike Reis

- 6 de out.
- 6 min de leitura
Atualizado: 7 de out.
A informação que o home office vai acabar porque cada vez mais empresas estão voltando ao trabalho presencial — sinaliza uma realidade que já vem sendo percebida em vários setores no Brasil. A própria Embraer, por exemplo, anunciou que encerrará o regime de home office integral, exigindo que seus empregados retomem o modelo presencial por ao menos três dias na semana. Outras empresas também têm sinalizado recuo no modelo remoto ou híbrido estrito.
Globalmente, essa tendência não é isolada. Grandes empresas estão revisitando políticas de retorno ao escritório, exigindo que funcionários compareçam mais dias presencialmente sob o argumento de fortalecer cultura, colaboração e inovação. Há também empresas que, embora já tenham políticas de retorno, exercem pouco rigor em sua aplicação.
Em paralelo, notam-se movimentos como o “hybrid creep” — isto é, o aumento gradual dos dias obrigatórios de presença no escritório — como uma forma sutil de reverter os modelos mais flexíveis.
Embora haja sinais de regressão ao presencial, muitos analistas apontam que não se trata de um “fim absoluto” do home office, e sim de uma correção ou redirecionamento para modelos híbridos ou flexíveis mais controlados. Assim, por trás do “fim do home office” há forças que empurram para trás e outras que resistem — e o resultado provável é um equilíbrio instável entre espaços presenciais e remotos.
Por que empresas estão promovendo esse recuo?
Ao analisar essa tendência, é possível apontar diversos fatores que motivam o retorno ao presencial — uns mais legítimos, outros polêmicos:
1. Cultura, sinergia e controle informal
Uma das justificativas mais recorrentes é que a presença física favorece a criatividade espontânea, a troca informal e a construção de cultura organizacional — coisas que supostamente ficam prejudicadas no remoto. Esse argumento valoriza o “estar junto” como um motor de inovação e engajamento, especialmente em áreas de criação, marketing, P&D etc.
Paralelamente, há um aspecto de controle simbólico ou visibilidade: gestores podem sentir que ter mais funcionários fisicamente sob supervisão reforça disciplina, foco ou alinhamento (mesmo que nem sempre isso reflita em produtividade).
2. Pressões estratégicas e econômicas
Muitas empresas ainda mantêm escritórios amplos e contratos de aluguel de longo prazo, o que torna a redução radical do uso desses espaços um risco financeiro e até de imagem em centros empresariais. Em mercados de trabalho aquecidos, a exigência de presença física também pode funcionar como um filtro para selecionar profissionais dispostos a aceitar menor flexibilidade.
Além disso, com o controle da pandemia, muitos líderes veem o retorno ao escritório como um passo para “voltar à normalidade” e redefinir rotinas, interpretando o recuo do home office como uma correção natural. Em alguns setores, como finanças, advocacia e consultorias, há ainda pressões externas de clientes ou reguladores que reforçam a preferência por operações presenciais e ambientes mais monitorados.
3. Desafios operacionais e de produtividade percebida
Em alguns casos, gestores afirmam que o trabalho remoto provoca queda de produtividade ou desacelera a inovação. Também são citados problemas de coordenação, atrasos na comunicação e dificuldade de supervisão, especialmente em equipes com diferentes níveis de maturidade ou capacidade de autogestão, o que reforça os argumentos contrários ao home office irrestrito.
Os riscos, as contradições e os pontos cegos
Embora o retorno ao presencial possa fazer sentido em alguns casos, esse movimento carrega riscos e desafios que merecem atenção crítica:
1. Resistência dos trabalhadores e fuga de talentos
Não é trivial persuadir uma força de trabalho acostumada com flexibilidade para voltar a uma rotina de deslocamentos, horários rígidos e perda de autonomia. Muitos profissionais veem a flexibilidade como um “novo patamar” de expectativa — inclusive dispostos a buscar outras vagas se for exigido retorno total. Há relatos de recusas, demissões voluntárias ou negociações difíceis em empresas que tentaram impor retorno completo.
2. Quebras contratuais e legais
No Brasil, há obstáculos jurídicos quando uma empresa decide impor retorno presencial sem negociar. Uma mudança de modalidade de trabalho — de remoto para presencial — exige notificação prévia, aditivo contratual e, em alguns casos, consenso das partes. A Embraer já enfrentou contestação sindical por impor retorno.
3. Desigualdade de condições
Nem todos os trabalhadores têm estrutura doméstica ideal, espaço reservado, internet confiável ou ambiente propício. Forçar retorno pode penalizar quem morava longe, ou cuja moradia era adaptada para o trabalho remoto com sacrifícios. Isso pode gerar desigualdade e injustiça interna.
4. Rigidez em ambientes que evoluem rápido
Em setores de tecnologia ou inovação, a velocidade e a adaptabilidade são fundamentais. Políticas rígidas de presencial podem tolher experimentações ou afastar talentos mais antenados com modelos híbridos ou distribuídos.
5. Dissonância entre discurso e prática
Muitas organizações exigem presença, mas não oferecem estrutura física adequada, ambientes híbridos bem desenhados ou políticas de adaptação. Em muitos casos, os escritórios ficam subutilizados, com baixas taxas de ocupação mesmo nos dias exigidos.
Os desafios únicos do retorno presencial no contexto brasileiro
O Brasil apresenta fatores particulares que tornam o retorno ao trabalho presencial mais tenso e complexo. A mobilidade urbana precária e os longos deslocamentos diários fazem com que muitos trabalhadores percam horas no trânsito, o que representa um ônus significativo. Além disso, a desigualdade territorial faz com que nem todas as regiões contem com internet estável, infraestrutura de coworking ou condições domésticas adequadas ao trabalho remoto.
Em muitas empresas, ainda predomina a cultura de controle presencial, onde estar fisicamente no escritório é associado a comprometimento e visibilidade. A estruturação legal do teletrabalho também é recente e ainda em amadurecimento, mesmo com dispositivos na CLT que preveem o reembolso de custos, o que gera insegurança para empregadores e empregados. Soma-se a isso a possibilidade de conflitos sindicais e disputas judiciais, como evidenciado no caso da Embraer, quando há imposições rígidas.
Esses elementos tornam o debate sobre o “fim do home office” no Brasil mais polêmico e sujeito a resistência do que em países com contextos urbanos e culturais diferentes.
O “fim do home office” como mito e ajuste estratégico
Apesar das evidências de recuo, o “fim do home office” completo é um mito. O que ocorre é uma recalibração: empresas estão deixando o modelo 100% remoto, mas sem retomar o presencial rígido, buscando um meio-termo — o modelo híbrido — que preserve os ganhos culturais e de supervisão sem perder os benefícios do remoto.
Esse movimento só terá sucesso se houver escuta real aos empregados, escritórios bem desenhados que estimulem colaboração, regras flexíveis e graduais, medidas de compensação como apoio à mobilidade e horários ajustáveis, cultura organizacional com propósito claro e liderança preparada para o home office, capaz de comunicar, confiar e manter engajamento à distância.
Para que o home office seja sustentável, são necessárias soluções estruturais e pessoais. O ambiente familiar deve apoiar horários e limites; o ambiente físico precisa ser adequado, com internet estável e ergonomia; o bem-estar psicológico deve ser cuidado com programas de saúde e interação; competências individuais como autogestão e foco precisam ser desenvolvidas; e rituais de separação entre vida pessoal e profissional ajudam a manter equilíbrio.
Assim, o home office não acaba — ele se transforma, exigindo mudança de mentalidade para se tornar uma prática estruturada, sustentada por políticas, tecnologia e cultura organizacional sólida.
BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Disponível em: https://www.contabeis.com.br/noticias/72785/fim-do-home-office-em-2025-entenda-o-cenario-atual/. Acesso em: 18 set. 2025.
CLICK PETRÓLEO E GÁS. Fim do trabalho 100% home office na Embraer afeta 18 mil funcionários, reduz auxílio de R$ 900 e obriga retorno presencial de três dias por semana. 2025. Disponível em: https://clickpetroleoegas.com.br/fim-do-trabalho-100-home-office-na-embraer-afeta-18-mil-funcionarios-reduz-auxilio-de-r-900-e-obriga-retorno-presencial-de-tres-dias-por-semana-btl96/. Acesso em: 18 set. 2025.
FENATI. Empresas acabaram com o home office e já enfrentam dificuldades para contratar. 2025. Disponível em: https://fenati.org.br/empresas-acabaram-home-office-dificuldades-vagas/. Acesso em: 19 set. 2025.
FORBES. The real reasons companies are forcing you back to the office. 2025. Disponível em: https://www.forbes.com/sites/tomaspremuzic/2025/02/28/the-real-reasons-companies-are-forcing-you-back-to-the-office/. Acesso em: 22 set. 2025.
G1. Home office vai acabar? Por que cada vez mais empresas estão voltando ao trabalho presencial. 2025. Disponível em: https://g1.globo.com/trabalho-e-carreira/noticia/2025/02/26/home-office-vai-acabar-por-que-cada-vez-mais-empresas-estao-voltando-ao-trabalho-presencial.ghtml. Acesso em: 22 set. 2025.
LOS ANGELES TIMES. Bosses, workers still don’t agree on how often to be in the office. 2024. Disponível em: https://www.latimes.com/business/story/2024-10-21/bosses-workers-still-dont-agree-on-how-often-to-be-in-the-office. Acesso em: 23 set. 2025.
MCKINSEY & COMPANY. Flexible work’s enduring appeal affects workers, employers, and real estate. 2025. Disponível em: https://www.mckinsey.com/industries/real-estate/our-insights/flexible-works-enduring-appeal-affects-workers-employers-and-real-estate. Acesso em: 24 set. 2025.
SIEPR – STANFORD INSTITUTE FOR ECONOMIC POLICY RESEARCH. The great resistance: getting employees back to the office. 2024. Disponível em: https://siepr.stanford.edu/publications/work/great-resistance-getting-employees-back-office. Acesso em: 25 set. 2025.
WORLD ECONOMIC FORUM. Return-to-office: the fight for flexibility continues. 2025. Disponível em: https://www.weforum.org/stories/2025/08/return-to-office-flexibility-remote-work/. Acesso em: 24 set. 2025.
LAVOCAT, Maria Eduarda. É obrigatório voltar ao trabalho presencial? Veja o que diz a lei. Correio Braziliense, 10 abr. 2025. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/direito-e-justica/2025/04/7104577-e-obrigatorio-voltar-ao-trabalho-presencial-veja-o-que-diz-a-lei.html. Acesso em: 25 set. 2025.
SINDICATO DOS METALÚRGICOS DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS. Trabalhadores da Embraer rejeitam fim do home office e exigem negociação. Sindmetalsjc, 13 mar. 2025. Disponível em: https://www.sindmetalsjc.org.br/n/6999/trabalhadores-da-embraer-rejeitam-fim-do-home-office-e-exigem-negociacao. Acesso em: 25 set. 2025.


Comentários