Avaliar produtos e serviços enquanto utilidade para as pessoas é um trabalho de grande importância na hora de pensar em estratégias de entrega de valor. Para empresas, saber o que conseguem oferecer a nível de dever cumprido é importante, e é por isso que a metodologia jobs to be done tem ganhado tanto destaque.
Produtos têm funcionalidades muito bem definidas, mas nem sempre é isso o mais importante do ponto de vista comercial. Na verdade, marcas precisam olhar para o que esses itens conseguem realizar para uma pessoa. Afinal, se você vende um tênis de corrida, não se trata sobre calçar os pés da pessoa corredora, mas garantir que ela corra com menos impacto e mais conforto.
O que é Jobs To Be Done (JTBD)?
Jobs to Be Done (JTBD), do inglês "Trabalho a ser feito", é uma metodologia que busca entender as reais necessidades dos consumidores, analisando o que eles querem alcançar com o uso de um produto ou serviço. Em vez de apenas vender um item, o objetivo é oferecer uma experiência que resolva uma tarefa específica que o cliente deseja realizar. Quando alguém adquire algo, não está apenas comprando um objeto, mas buscando uma solução para alcançar um resultado desejado.
Por exemplo, se você assina um serviço de streaming, como a Netflix, sua ideia não é simplesmente ter a plataforma à disposição. Na verdade, o que você busca é entretenimento, o que vem por meio das séries, filmes e documentários que o catálogo do serviço disponibiliza. Se outras plataformas de streaming pudessem oferecer o mesmo da maneira que a Netflix faz, talvez você as consideraria.
Esse conceito de análise da entrega que produtos oferecem é cada vez mais debatido e destrinchado por empresas e times de produto e de UX Design. Afinal, a busca por desenvolver algo adaptado aos desejos de pessoas consumidoras é um processo que não se interrompe. Dessa forma, o melhor caminho é refinar o entendimento da entrega de valor.
O conceito JTBD foi desenvolvido por Clayton Christensen. Ele é autor do livro "Muito Além da Sorte", obra em que introduz a ideia de que empresas precisam entender o que as pessoas querem completar a nível de tarefa, ou seja, enxergar o produto como um meio. Se você quiser saber mais sobre o assunto na perspectiva de Clayton, assista a este vídeo.
Assim, é possível ter uma perspectiva de análise que vai além do que se entrega como produto/serviço, passando a entender realmente o que pessoas consumidoras buscam a nível de experiência.
É claro que quem consome sabe o que esperar da interface da Netflix, ou da metodologia de agendamentos de serviços como Airbnb e DogHero. São fatores importantes e que se destacam, mas ao fim do dia, o que pessoas consumidoras desejam é resolver uma dor, um problema. Nesses casos, entretenimento, ter onde ficar quando viajar, e viajar com tranquilidade porque seu pet está em segurança.
O Framework de Jobs to Be Done (JTBD)
Para aplicar a metodologia Jobs to Be Done (JTBD) de maneira eficaz e identificar as dores a serem resolvidas, você pode utilizar um framework simples e direto, que conecta três elementos essenciais: a ação que o consumidor deseja realizar, o objeto que ajuda a realizar essa ação e o contexto em que a dor está inserida.
O formato básico do framework é: VERBO DE AÇÃO + OBJETO DE AÇÃO + CONTEXTO
Vamos considerar o exemplo de uma pessoa que deseja ouvir música durante o trajeto até o trabalho. A dor principal, neste caso, é conseguir ter acesso à música enquanto se desloca no transporte público. Aplicando o framework, ficaria assim: Ouvir + Música + Indo ao trabalho
O job a ser feito aqui é "ir ao trabalho escutando música". O consumidor está buscando uma solução que possibilite essa experiência, que pode ser atendida por plataformas como Spotify, Tidal, Apple Music, Deezer, entre outras opções.
Importante: Evitar a Validação Errada
É crucial também entender como não aplicar esse framework ao analisar o "job". Um erro comum ocorre quando se foca na ferramenta ou meio para realizar a tarefa, ao invés da dor real que o consumidor está tentando resolver.
Por exemplo, se você considerar que a pessoa quer "montar uma playlist no Spotify", você está focando no meio (a plataforma) e não na tarefa em si. O job real continua sendo "ouvir música", e o Spotify é apenas a ferramenta usada para atingir esse objetivo.
Analisar o produto com a ótica de ferramenta ou funcionalidade não permite compreender o Job to be Done, já que a verdadeira dor está na experiência que o consumidor busca, não no meio específico utilizado para resolvê-la.
Análise de concorrência
O framework Jobs to Be Done (JTBD) é valioso para compreender a concorrência e como as empresas estão atendendo às necessidades dos consumidores, ao resolver as dores dessas pessoas. Essas "dores" não se limitam a tarefas simples e diretas. Abaixo, explicamos cada uma das formas pelas quais as soluções podem se manifestar:
Alcançar metas: Refere-se à necessidade do consumidor de atingir objetivos específicos. Isso pode incluir metas pessoais, profissionais ou de negócios, e os produtos ou serviços que ele adquire são vistos como meios para alcançar esses fins. Por exemplo, uma pessoa pode usar um aplicativo de produtividade para atingir a meta de aumentar sua eficiência no trabalho.
Resolver um problema: Neste caso, o consumidor busca uma solução para um desafio ou obstáculo que está enfrentando. A empresa que oferece uma solução eficaz se torna o "remédio" para esse problema. Por exemplo, alguém pode buscar um serviço de reparo para consertar um eletrodoméstico quebrado.
Tornar-se algo: Aqui, a necessidade está ligada à transformação pessoal. O consumidor adquire um produto ou serviço para evoluir ou alcançar um novo estado de ser. Pode estar relacionado a autoaperfeiçoamento, mudança de imagem ou adaptação a um novo papel. Um exemplo seria alguém comprando um curso para se tornar um especialista em uma área profissional.
Parecer algo: O consumidor adquire algo com o intuito de transmitir uma imagem específica para os outros. Neste caso, a solução se refere à construção de uma identidade ou ao desejo de ser visto de uma determinada maneira. Por exemplo, uma pessoa pode comprar uma roupa de marca para parecer mais sofisticada.
Realizar algo: Este tópico está relacionado ao desejo de concluir ou realizar uma tarefa. Pode envolver desde ações cotidianas até grandes conquistas. Por exemplo, alguém pode usar uma ferramenta específica para concluir um projeto de forma mais eficiente.
Essas soluções não são exclusivamente sobre a compra de produtos tangíveis, mas sim como os consumidores buscam alcançar seus objetivos de diversas maneiras.
Para que serve o método JTBD?
O método Jobs to be Done (JTBD) serve para validar os "jobs" – ou seja, a entrega principal de um produto. Essa tarefa central permite que a empresa compreenda diversos outros aspectos importantes, principalmente do ponto de vista dos usuários. Isso ocorre porque entender as necessidades e dores dos consumidores nem sempre é uma tarefa simples, especialmente quando envolve questões como o valor agregado de um produto.
Um dos pontos mais importantes do JTBD é sua versatilidade: ele pode ser utilizado por profissionais de várias áreas, como UX (experiência do usuário) e marketing, em diversos estágios de análise e estudo. Isso facilita a compreensão das motivações dos consumidores, a capacidade de entrega dos produtos e a convergência entre essas duas questões, criando soluções ideais para atender aos jobs dos usuários.
Agora, entenda como o método pode ser útil e como ele pode ser aplicado em diferentes setores de negócios.
1. Entender melhor os usuários
Os consumidores podem ter necessidades que sua empresa ainda não havia considerado, e isso pode desbloquear novas maneiras de desenvolver produtos. O objetivo aqui é identificar e entender os desejos e motivações dos consumidores.
Por exemplo, pense em um produto de alto valor agregado, como um carro de luxo. Embora o principal "job" do carro seja o transporte, ele também pode atender a um desejo adicional: a demonstração de poder e status. Um carro comum não consegue entregar esse job específico.
Quando você aplica o JTBD, fica claro que o que a pessoa deseja não é apenas um motor potente ou um design sofisticado, mas a oportunidade de mostrar superioridade financeira.
2. Compreender melhor o produto do negócio
Quando você entende detalhadamente o que seu produto oferece, fica mais fácil aprimorá-lo para atender melhor às necessidades e dores dos consumidores. Com essa visão, é possível criar um MVP (produto mínimo viável) e testar a aceitação do público.
3. Inovar na oferta de produtos e serviços
O JTBD ajuda as empresas a pensarem fora da caixa, inovando não apenas nos produtos, mas também nos serviços que podem ser agregados. Ao entender profundamente as jobs dos consumidores, uma empresa pode criar soluções mais criativas e impactantes, ou até mesmo novos modelos de negócios. Isso acontece porque, ao identificar as motivações do cliente, é possível enxergar oportunidades que antes poderiam passar despercebidas.
Exemplo: Uma empresa que fabrica ferramentas para jardinagem pode perceber que, além de vender os produtos, pode agregar valor oferecendo serviços de consultoria sobre como manter jardins saudáveis. Isso nasce a partir da compreensão das jobs do cliente, que não busca apenas uma ferramenta, mas também a experiência completa de cuidar de seu jardim.
4. Identificar gaps no mercado
Outro benefício do método JTBD é identificar lacunas no mercado. Compreender os jobs que os consumidores tentam realizar pode revelar oportunidades que seus concorrentes ainda não perceberam ou que não estão sendo bem atendidas. Assim, o JTBD não só ajuda a melhorar o produto, mas também a identificar áreas inexploradas que podem ser exploradas com novos produtos ou soluções.
Exemplo: Se um produto está sendo comprado principalmente por pessoas que querem "fazer networking" em um evento, mas ele não oferece nenhuma funcionalidade para facilitar esse processo, isso se torna uma lacuna que pode ser preenchida com novos recursos (como um aplicativo de networking integrado ao produto).
5. Aprimorar a experiência do cliente
Além de ajudar a entender os jobs que o produto precisa entregar, o JTBD também contribui para aprimorar a experiência do cliente. Quando a empresa conhece as necessidades e os contextos em que os consumidores utilizam seus produtos, ela pode criar experiências mais satisfatórias e personalizadas. Isso gera maior fidelização e satisfação do cliente, fatores fundamentais para o sucesso no mercado competitivo.
Exemplo: Uma marca de roupas pode, ao aplicar o JTBD, perceber que seus clientes buscam praticidade nas compras, como a possibilidade de experimentar as roupas em casa e fazer devoluções fáceis, criando um serviço de provador virtual para atender a essa demanda.
Conclusão
O Jobs to Be Done (JTBD) é uma metodologia poderosa e versátil, essencial para entender de forma profunda as necessidades dos consumidores e como as empresas podem entregar soluções que realmente atendam a essas demandas. Ao ir além das simples tarefas e focar nas intenções e objetivos que os consumidores desejam alcançar, o JTBD oferece uma perspectiva clara sobre como os produtos e serviços devem ser moldados para agregar valor de forma significativa.
Através da identificação de jobs como alcançar metas, resolver problemas, transformar-se, parecer algo ou realizar tarefas, empresas podem criar ofertas mais eficazes, personalizadas e alinhadas aos desejos do público. Esse enfoque não apenas melhora a experiência do usuário, mas também abre espaço para inovação e diferenciação no mercado, permitindo que as marcas se posicionem de maneira estratégica para resolver as verdadeiras "dores" dos consumidores.
Ao aplicar o JTBD em sua análise competitiva e no desenvolvimento de produtos, as empresas estarão mais bem preparadas para entender as motivações e expectativas dos consumidores, gerando soluções mais completas e impactantes. Com isso, a metodologia não só facilita a criação de novos produtos, mas também aprimora o processo de comunicação, fortalecendo o relacionamento entre a empresa e seu público-alvo. Portanto, adotar o framework Jobs to Be Done é um passo fundamental para qualquer negócio que busque não apenas atender, mas superar as expectativas de seus clientes.
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Sugestão de Livros:
Muito além da sorte (Clayton Christensen e outros);
Sprint: O Método Usado no Google Para Testar e Aplicar Novas Ideias Em Apenas Cinco Dias (Jake Knapp);
Design Thinking: uma metodologia poderosa para decretar o fim das velhas ideias (Tim Brown);
Organizações exponenciais (Michael S. Malone, Salim Ismail, Yuri Van Geest);
Inevitável: As 12 forças tecnológicas que mudarão nosso mundo (Kevin Kelly);
Value Proposition Design: Como construir propostas de valor inovadoras (Alex Osterwalder, Greg Bernarda, Yves Pigneur, Alan Smith);
Testing Bussiness Ideas (Alex Osterwalder, David J. Bland);
A jornada do design thinking (Michael Lewrick, Patrick Link, Larry Leifer);
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